sábado, 3 de outubro de 2009

Dos meios-termos

Os momentos mais perigosos da vida de um condutor não são aqueles em que ele, acabado de sair do exame de condução, tacteia a estrada. São sim aqueles em que ele, passados alguns meses, acredita que sabe conduzir.

Um bêbado ao volante, não constitui perigo. Um bêbado, quando está mesmo bêbado, nem sequer acerta com a chave no buraco da ignição. Perigoso é aquele meio-termo em que ele pensa que não está…

Os momentos mais perigosos são aqueles em que acreditamos que já sabemos tudo; aqueles em que já não somos bebés mas ainda não somos crianças; aqueles em que já não somos crianças mas ainda não somos adultos; aqueles em que já não somos novos mas ainda não somos velhos - os finais de cada etapa; os inícios de uma outra que não aceitamos como nova, como estranha.

Até os equinócios, mais do que os solstícios, são as alturas em que mais depressões nascem, mais velhos morrem, mais corpos se sentem…

Nós não gostamos dos meios-termos, dos lugares híbridos, dos infindáveis recomeços que nos acompanham a vida. Não gostamos. E como não gostamos, fazemos de conta que eles não existem. Como se a nossa aprendizagem tivesse chegado ao fim; como se já tivéssemos visto tudo, quando o “tudo” está sempre em mudança, impossível de acompanhar…

É claro que volta não volta, às vezes volta e volta, passamos mal, sofremos e causamos sofrimento. E depois queixamo-nos que “nascemos para sofrer”; afirmamos que “não há crescimento sem dor” ; que cada um “tem de aprender à sua custa”…

Mas, mesmo considerando que cada um tem o seu próprio percurso, mesmo considerando que as experiências alheias não nos servem, há uma coisa simples que poderíamos fazer – era partir do princípio que, estejamos em que patamar estejamos, nunca nunca saberemos tudo, haverá sempre mais para aprender. Se conseguíssemos agarrar um momento que fosse de humildade e congelá-lo, se nos mantivéssemos abertos a tudo o que há para ver, saber e conhecer, tanto que mil vidas não chegam!, poderíamos até tirar algum proveito dos finais de cada etapa; criar algum entusiasmo, mesmo ingénuo e infantil, qual é o mal!, acerca da etapa que aí vem e poupar, a nós e aos outros, alguns dissabores – muitas mortes chegam, por acidente, nestas pequenas pontes da vida…

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