quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Da mendicidade

Falava-se de mendicidade e da forma como era encarada há muitos anos atrás e como o é agora.
Antigamente um mendigo suscitava compaixão e tinha até um lugar na sociedade - existia para nos recordar a importância de dar; para nos ensinar a olhar o outro, a valer-lhe. Havia até uma teoria cristã que afirmava que os mendigos faziam falta, como faz falta um construtor ou um médico.
É claro que podemos arranjar justificação para tudo e de tudo fazer um bem, uma mais valia. Quando entornamos vinho, dizemos que é alegria... Mas hoje em dia a mendicidade está, aos olhos de todos aqueles que não a praticam, vista como um fracasso, uma falha, uma culpa. Olhamos os mendigos com um ar acusador como se de seres mais fracos e inferiores se tratasse - se não como teriam eles chegado ao ponto a que chegaram?!
Mas o certo é que não fazemos a mínima ideia do que se passou com aquela pessoa e até que ponto a responsabilidade de andar a estender a mão à caridade, que mingua de dia para dia, é apenas dela. Hoje andava um velhinho, muito velhinho, de mãos trementes, a tentar vender dois sacos - um em cada mão - de língua da sogra aos carros que paravam no semáforo da Praça de Espanha.
Não comprei língua da sogra mas estendi-lhe uma moeda porque nada me comove e escandaliza mais do que um velho, que deveria estar no aconchego de um qualquer lar, repousado de uma vida que deve ter sido de trabalho porque ninguém sobrevive sem ele, muito menos neste país, a andar de carro em carro, disfarçando a sua mendicidade com dois sacos de língua da sogra.
Não há direito! Que país é este?! Que mundo é este?! Haviam de ter visto o seu olhar...haviam de ter visto...

3 comentários:

CF disse...

Pois é. Vivemos numa realidade, em que os que mais precisam, são os mais fáceis de esquecer. Sou sensível à terceira idade, por razões óbvias, e por outras também. E assisto diáriamente ao sentimento de que pouco valem. A frases do tipo, "são velhos, não precisam de mais". Sinto repulsa por essa gente que sente assim. E há tanta, mas tanta, que até arrepia...

Alda Couto disse...

Mas quem é que não vê que são exactamente os velhos aqueles que mais precisam?!
É extraordinário mas existe gente que está convencida que à medida que o tempo passa vão precisando de menos recursos financeiros, quando é exactamente o oposto...

Goldfish disse...

Os velhos, as crianças e os animais. Os mais frágeis, os mais vulneráveis, os que menos responsabilidade têm no que muita vezes lhes acontece. Para mim as pessoas não olham porque não querem ver, e não por considerarem que são fracassados. Eu, muitas vezes, não olho por vergonha. Minha, e não deles. Por não poder (ou não conseguir, ou não saber) fazer mais do que dar uma moedinha.