quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Ano Novo

Está prestes a acabar mais um ano marcado por bruscas mudanças, por medos e incertezas mas apesar disso, ou por causa disso, a vontade que ele acabe não é grande pelo menos na maioria das mensagens que não se recebem.

E se a convicção muitas vezes é fraca quando repetimos que o ano que se avizinha será melhor do que aquele que acaba, este ano ela não é nenhuma e só a força da repetição pode trazer alguma esperança à voz sumida que insiste em desejar que pelo menos não seja pior.

E isto é tão verdade quanto o é o andarmos em crise há anos e o já termos passado por algo parecido ou pior e termos sobrevivido.

Façamos por isso do próximo ano um ano melhor do que aquele que se apregoa por aí.

Que Deus nos dê força e vontade para mudar o que pode ser mudado. Que nos dê tranquilidade para aceitar o que não pode ser mudado e discernimento para distinguir uma coisa da outra.

Sei que não são votos originais mas são os mais completos e importantes que vi até hoje. Não sei fazer melhor e o que vos desejo é aquilo que desejo para mim. E o que desejo para mim é isto. Nada mais. Nada menos.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Tricot

Estimo que com o tempo, e a crise, se recuperem hábitos antigos. Sei de gente nova empenhada em aprender a fazer camisolas, cachecóis e golas, tal qual as avós há mais de meio século.

Eu tenho saudades. Já fui muito boa nisto e tempos houve em que as camisolas que vestia eram obra minha. 

Pensei em retomar assim que os afazeres me libertassem um bocadinho. Mas hoje a minha mãe falou-me em comprar lã e o bichinho ficou por cá a seringar-me o juízo. Provavelmente não vou esperar tanto...

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Adaptáveis

Nem todos avançam realmente na linha da vida. Há quem fique parado. Quem ande só com o corpo e deixe o espírito preso àqueles melhores anos, os mais marcantes, aqueles em que realmente se viveu. É que mais vale estar lá atrás do que não estar em lado nenhum. E anda por aí muita gente que se não fosse o refúgio do passado arrastar-se-ia quase morta, abandonada ao destino, ao fado, enfim àquilo a que uma pessoa se pode abandonar se quiser.

Por isso se ouvem as mesmas músicas, se vêem os mesmos filmes, que são, de resto,  os melhores de sempre. Tudo o que foi feito depois não vale nada, não é nada, comparado com o que já se fez… o meu avô tinha essa mania, acreditava que já tinha visto tudo. Mas o meu avô era velho… Enfim, cada um faz o que pode com certeza, e o facto de eu estar para aqui a ajuizar das capacidades dos outros não faz de mim uma pessoa melhor, antes pelo contrário. Dizer que o outro pode ou podia isto ou aquilo é muito fácil, podermos nós já é outra conversa bem diferente.

Seja como for, o bom mesmo é conseguirmos ir vivendo enquanto estamos vivos porque como disse uma figura marcante da nossa praça: Estar vivo é o contrário de estar morto, frase que, como muitas outras, pode perfeitamente ser aprofundada, e até justificada e explicada. Tivesse ela sido dita por outro cérebro qualquer e, provavelmente, acabaria por ter mesmo esse destino. Mas foi dita por quem é alvo de chacota, principalmente da parte da intelectualidade. E eu percebo. Ao fim e ao cabo quem é a senhora? que fez ela? em que aspectos contribuiu ela para a sociedade em que está inserida? Estas e outras perguntas se põem quando se fala de gente colunável. Quanto aos que permanecem na sombra e são o grosso da coluna, nascem e morrem anónimos mesmo que tenham muito para dizer. Bom mesmo é ser-se intelectual e conseguir prová-lo, o que também não é fácil.

É assim a vida. Carregada de lutas e de algumas injustiças – aos nossos olhos, pelo menos. Porque aos olhos dos outros, cada um tem o que merece.

Eu, por exemplo, já vou no quinto parágrafo e ainda não disse nada de jeito. Penso que esta incapacidade temporária de manter o fio lógico de um monólogo se pode dever à azáfama multifacetada dos últimos dias. Talvez se chame ressaca, não sei. Atenção que não é só o álcool que embebeda!, ele há outras coisas que têm a estranha capacidade de nos deixar num estado a modos que alucinado e o retorno é sempre confuso.

Antes que diga ainda mais asneiras, quero desejar a todos uma semana de reflexão e preparação para o ano que se avizinha. Temos precisamente cinco dias e meio para tentar fazer um balanço do ano que nos trouxe algumas surpresas, infelizmente não muito agradáveis mas, quem sabe, talvez possamos encontrar forças para meter pés ao caminho e voltar daqui a doze meses com o espírito de que afinal as coisas não correram assim tão mal e que do ano seguinte se espera, se não uma melhoria, pelo menos não um agravamento do anterior. Porque nós somos assim – facilmente adaptáveis. E conformistas. Terrivelmente conformistas.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Chiu!

Dois dias a deitar-me tardíssimo deu nisto. Ferrei no sono depois do almoço. 

Lá fora nada mexe. Como se ao mundo tivesse acontecido o mesmo. A bonança que vem depois da tempestade dos pratos, dos copos e das surpresas, do convívio e da alegria, da partilha que ultrapassa o bacalhau, o cabrito, as fatias douradas e os sonhos.

Este ano voltámos a ter tronco de natal. Há coisas que passam por cima de uma geração para se depositarem na seguinte. São as netas que trazem a lume as manias das avós. As filhas, essas ficam pelo caminho numa tentativa de inovação e contrariedade que do próximo se faz longe porque somos únicos e não nos podemos confundir com ninguém. Que parecida que estás com a tua mãe! Pois sim, mas não serei como ela. E assim se salta – um sim, um não – para no fim tudo vir a dar no mesmo. Herdamos, quer queiramos quer não.

Mas as tradições têm um início, ainda que não saibamos exactamente onde, e ninguém nos disse que não pode estar em nós. Foi nisso que pensei depois da noite de ontem – criar nesta família uma tradição que seja religiosamente seguida ano após ano e que daqui a duas ou três gerações já ninguém saiba porquê, mas porque sim a siga. E como as ideias de nada nos servem se não forem postas em prática, vou ver se comunico aos restantes que este ano se deu início a uma tradição e que a partir do próximo ano todos deverão fazer parte dela.

Vou fazer isso, mas não agora. Estão todos a descansar.

Chiu!, pouco barulho.



sábado, 24 de dezembro de 2011

FELIZ NATAL

Com muita paz, muita alegria.

Que seja uma noite de partilha e de amor.

E pronto. É isto. Agora vou ali tratar da consoada que a noite é de família.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O desespero do Ministério das Finanças

Este ano enganei-me na liquidação do imposto único de circulação. Há anos que me habituei a fazer tudo pelo computador e em vez de digitar 30.10€, fiquei-me pelos 30€.

Apercebi-me disso quando precisei de uma declaração que ficou suspensa por mor dos dez cêntimos que tinham passado despercebidos.

Dirigi-me à repartição da minha área de residência e liquidei os ditos.

Alguns meses mais tarde, recebi uma daquelas cartas que me deixam sempre suspensa entre a perplexidade e a curiosidade, proveniente do Ministério da Finanças. Um invólucro-mensagem, em correio registado, com o convite: “é favor rasgar pelo picotado”. Chegou nos finais de Outubro com uma referência multibanco para pagamentos ao Estado que eu utilizaria para liquidar 15€ de multa por me ter atrasado no pagamento dos dez cêntimos.

Por vezes as nossas atitudes devem-se mais ao comodismo do que à razão e, para não me chatear, paguei e calei.

Pois que anteontem recebi mais uma, em tudo igual à primeira, à excepção da referência para pagamento, essa traz outros números mais frescos e elevados. Contudo, o propósito é o mesmo, bem como a quantia a liquidar.

Pergunto-me, curiosa, se no dia em que confundi um 1 com um 0 me terei constituído forte candidata a perseguição fiscal e, se assim for, quantas cartas mais irei receber. É que, ao fim e ao cabo, incomoda-me ser causa de tanta despesa numa época de crise como esta que atravessamos.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Provocações

Quando comecei a descer a rua sabia de antemão que iria ter vários olhos postos em mim. De resto não sei até que ponto não pensei nisso quando decidi vestir aquelas calças brancas, justíssimas!, e aquele casaco pingão, cinzento claro, que me pendia dos ombros realçando a altura do pescoço. Sempre tive orgulho nos meus ombros e no meu pescoço. Considero que têm sido uma mais-valia. Quanto às socas, estavam na moda, eram pretas, de madeira e relativamente baixas.

Não me enganei. Quando cheguei à paragem estava exuberante! toda eu era brilho!
Um habitual companheiro de viagem pôs-se a meu lado e foi avançando a par à medida que a fila desaparecia na entrada do autocarro.

Foi durante esse percurso que aconteceu o que acredito ter sido provocado pelo excesso de ego que provavelmente me turvou a vista e me trocou os pés. A partir dessa ligeira troca nunca mais o dia foi o mesmo. Balancei, repetidamente, para trás e para a frente, trocando cada vez mais os pés mas fazendo tudo o que o meu ágil corpo e as minhas calças demasiado justas permitiam para manter um equilíbrio cada vez mais fugidio. E nesse cai-não-cai avancei alguns metros com o orgulho a impedir-me de esticar o braço para me amparar no vizinho da frente e sem que o meu companheiro me deitasse a mão evitando o pior, ou o vizinho de trás me segurasse.

E o pior aconteceu num voo que teria batido qualquer recorde em qualquer pista olímpica, terminando numa aterragem fenomenal que me transmutou as calças numa espécie de saia castanha sem panos à frente ou atrás, me esfolou consideravelmente cotovelos e joelhos e me obrigou a apanhar um táxi de volta a casa.

A minha mãe, quando abriu a porta e me pôs a vista em cima, convenceu-se que eu tinha sido vítima de atropelamento.

Nesse dia não saí mais de casa. Já lá vão mais de trinta anos, mas nunca mais me esqueci.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Enid Blyton e As Gémeas no Colégio de Stª Clara

Fez doze anos, está no sexto ano e não pode ter uma nota mais baixa porque chora. Antes dos testes tira de mim tudo o que pode e segue agarrada aos livros até o sono lhe bater à porta. É preciso garantir que será a melhor. A melhor, a mais bonita, a mais cool, a mais dread, do bairro que a vê crescer. Tem tudo para ser um orgulho, uma montra.

Hoje entrou com um livro na mão, Patrícia no Colégio de St. Clara. Li tanto Enid Blyton quando tinha a idade dela! Entusiasmada contei-lhe por alto a história das gémeas e das aventuras que tinham no colégio onde andavam. Ela sempre me pareceu uma leitora em potência, apesar de nunca a ter visto ler um livro. Mas como é daquelas crianças que quer saber tudo, que tem uma curiosidade tão ávida e tão próxima da coscuvilhice, não perco uma oportunidade para lhe vender o meu peixe

Pois hoje entrou com o livro na mão. Sentou-se, abriu-o na primeira página e queixou-se que provavelmente teria de o ir trocar pelo primeiro da colecção porque não estava a perceber a história que começava assim…, e lá me leu as primeiras linhas. Expliquei-lhe que, com o decorrer da leitura, perceberia tudo o que precisava de perceber.

Passados alguns minutos, poucos, vi-a entretida com o telemóvel. Perguntei-lhe se não estava a gostar do livro. Não tenho paciência para estas histórias, eu gosto é de violência. Olhei-a um bocado incrédula apesar de conhecer os seus maus modos e a grosseria que de vez em quando lhe salta do rosto fino, mas decidi não ser juíza, agarrar no fio e puxar, tentar ver o que traria na ponta. Suavizei a minha expressão e perguntei-lhe porquê num tom descontraído.

Fiquei a saber que gosta de ver gente “à porrada”, mas que aquilo que gosta mesmo é de assistir a discussões, “violência verbal” foi o termo que utilizou. Porquê? Porque é giro, e pergunta-me se eu não gosto. Não, nunca gostei, a violência é uma coisa que me constrange. Olhou-me com um certo ar de pena, acho que deixou de haver esperança para mim a partir daquele momento.

Dirigiu-se à mala onde arrumou o livro aborrecido e tirou um outro que logo voltou a guardar. Perguntei-lhe que livro era. Deu-mo uma amiga minha. Tem graça, disse eu, pareceu-me igual a um que está naquela prateleira. E dirigi-me à dita com ela no meu encalço, procurando o livro. Como não aparecesse, dirigiu-se à sala de dentro determinada a encontrá-lo no meio dos outros. Nada.

Incomodada pedi-lhe, por favor, que me mostrasse o que tinha guardado na mala. Quando o abri, na primeira página, brilhava a assinatura da minha filha, escrita por mão própria.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Nunca é tarde

Tirou a carta numa época em que as escolas de condução utilizavam, invariavelmente, Volkswagen Beetle, os sinais de trânsito eram pouco mais de meia dúzia e as mulheres ao volante um perigo eminente. Tinha trinta e seis anos, passou à primeira e não, não foi preciso oferecer nada ao engenheiro.

Nos primeiros anos não deve ter tido muitas oportunidades para praticar. Não me lembro de a ver ao volante nem aos fins-de-semana!

Quando eu e o meu irmão começámos a andar de transportes públicos, o meu pai seguiu-nos as pegadas deixando o automóvel na garagem, ao dispor dela que detestava o sítio onde vivíamos. Detestava-o tanto que se recusava a olhar o mar imenso que nos entrava casa adentro. Costumava dizer que estava enterrada viva. Mas era raro pegar no carro!

Aos quarenta e dois anos foi promovida, por força das circunstâncias, a motorista particular. Com a incapacidade do meu pai, restava ela para o transportar onde fosse preciso e, mais do que nunca, era preciso.

Não vás por aí. Vai por ali. Vai, vai, vai…vem, vem, vem… não, não não…arruma aqui...arruma ali... - eram termos incontornáveis. Uma canseira! tê-la ao volante com ele sentado ao lado, a conduzir. 

Há coisa de três ou quatro meses o meu pai deu entrada num lar e a minha mãe passou a ir sozinha às compras, aos correios, ao lar, a casa da irmã... Só ela e o carro que tem mais de vinte anos, por essas estradas fora. Ela, a decidir se segue em frente ou volta para trás. Ela, a virar à esquerda mesmo que seja para virar à direita. Ela, a escolher o caminho que mais se adapta ao seu estado de espírito. Ela, a escolher o lugar para arrumar o automóvel.

Faz oitenta anos já em Fevereiro e ontem virou-se para mim e disse: Descobri que gosto muito de conduzir.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Incapacidades

Entra sem embaraço. Os caracóis artificiais saltam-lhe da cabeça, em desalinho. Vem pedir ajuda. Precisa de escrever uma carta.

Ouve as instruções interessada mas algo dentro dela se opõe como que reclamando a sua incapacidade – então não sabes tu já que não serás capaz de o fazer?! Esta força que a puxa constantemente para trás obriga-a a perguntas repetidas, hesitações, incredulidades…
Volto a explicar, reforçando a facilidade e a importância da prática. Afinal é só uma carta e nem tem de seguir correio fora. Pode sempre ficar pelo caminho, já que é a primeira.
Faz que sim com a cabeça imediatamente antes de um “mas…”que lhe salta do corpo antes de ser pronunciado. As perguntas sucedem-se… as hesitações… as dúvidas… sempre as mesmas.
Viro o jogo ao contrário e pergunto. Ela vai respondendo. Sempre hesitante. Que sabes da instituição para a qual te vais candidatar? Pouco.
Peço-lhe o endereço electrónico. Consulto o site e imprimo-lhe uma página com toda a informação sobre estágios. Repara que a preferência da organização recai nos académicos. Troca académico por curricular, acreditando que um é o outro.  

Esclarece-se e conclui, aliviada, que não vale a pena escrever a tal carta.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Jogos de computador

Era um diabo o estupor do puto. Montado num cavalo de pau passava por cima de toda a cepa e de vassoura em punho distribuía espadeiradas a torto e a direito. Ai de quem se lhe atravessasse no caminho!

Um dia quis por força almoçar lá em casa. Lembro-me de ver a minha mãe a limpar o tecto de onde pendiam fios de esparguete.

Mas amava-nos o sacaninha. Não passava um dia que não aparecesse aos murros à porta a gritar pela minha mãe – XANINHA! XANINHA! ABRE A PORTA XANINHA!

De nada servia que a mãe corresse atrás dele, e não me lembro que o fizesse amiúde, o puto era escorregadio. Só se acalmava quando íamos lá para baixo, para o quintal do prédio, mexer na terra e brincar às pontes sobre o Tejo. Um dia encontrámos um fio de ouro. Nunca se soube de quem era.

Só esta semana é que voltei a ver unhas negras como aquelas que ele levava do quintal. Mas não tenho a certeza que fosse terra. Penso que o mais provável era ser outra coisa qualquer. São raros, já, os putos que escavam na terra ou sobem às árvores. Agora são especialistas em condução em pista, armas de fogo e viagens intergalácticas, nos jogos de computador.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Mal de inveja

Lembro-me da minha avó se referir ao mal de inveja como um dos piores males do mundo. Eu não lhe dava muito crédito. Que mal poderia fazer a uns, a inveja de outros?! Mas ela insistia na urgência de não a suscitar, em circunstância alguma.

Mais tarde cheguei a pensar que ela sofria do mal da repressão. Aquele que assola os povos que vivem cristalizados na possibilidade de denúncia. Não mostres o que tens. Não te atrevas a dizer que estás bem – diz sempre: mais ao menos, vai-se andando…não partilhes o que tens de bom, antes o ma! e se não o tiveres inventa-o, que a urgência é não despertar a terrível inveja.

Hoje conheci-a. Estive frente a frente com ela e, pode até ser que não repercuta o nocivo efeito que a minha avó apregoava, mas que é feia, é.

Quem vive paredes meias com ela sente a sua existência e sofre, conformado, as maleitas que a vida traz. As alegrias, essas, guarda-as bem guardadas acreditando que os que olham não vêem que ali existe algo para ser invejado. 

Mas os verdadeiros invejosos cheiram as bênçãos à distância, por muito bem guardadas que estejam, e deixam-se corroer. O mal de inveja, que a minha avó tanto temia, corrói mais o invejoso do que o invejado.

Ainda assim, não faz mal nenhum darmos ouvidos às avós. Afinal de contas andaram por cá muito tempo e o mundo não mudou tanto assim. Não, no que às gentes diz respeito.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O filho

Tem uns dedos compridos numas mãos de homem. Ao contrário do pai que tem mãos pequenas, quase delicadas não fossem os pêlos que as cobrem. As unhas, essas, têm o formato das do progenitor, quase quadradas não acompanham a linha esguia dos dedos. Quando era mais novo, irritava o hábito que tinha de arrancar as peles secas que as circundam. Sangrava, e as crostas que se formavam no fechamento da ferida pediam constantemente para ser esgravatadas, cada vez mais secas.

Não perdeu esse hábito. Sei-o porque lhe vejo as feridas nos cantos das unhas. As peles por haver. As unhas desprotegidas. Lá nisso, saiu à mãe.

Convém que saibamos em que águas navegamos

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

No rescaldo de um dia estranho (Para a Carolina)

Foi um dia estranho o de ontem. Ia dizer complicado, mas depois pareceu-me impróprio. Estranho. Foi um dia estranho. Daqueles em que as pessoas chocam. Em que as energias andam desaustinadas e os mais improvidentes se deixam desaustinar também.

Um dia esquisito. Capaz de quase sangrar corações. Um dia em que uma morte se deixou anunciar, já no fim, como se viesse dizer pronto, já passou. Um dia esquisito. Um dia em que a vontade me fugiu por brechas, que irresponsável e levianamente deixei que abrissem. Em que um certo mal espreitou exigindo atenção redobrada e cheguei ao fim de peito cansado mas longe, bem longe, da tranquilidade.

Estou melhor agora. Fez-me bem a noite. Apesar de continuar por cá um certo aperto, uma certa zanga. Devem-me desculpas e eu não me porei a jeito para que elas cheguem até mim. Não, nem todas as pessoas desta ou daquela faixa etária são desta ou daquela maneira, mas que existem características comuns, existem, menos boas muitas delas, e a culpa só pode ser nossa que os criámos. E como sou daquelas que se esforça por olhar as imagens que os outros espelham, veio-me à ideia aquela que diariamente transmito da minha mãe velhinha  que não tendo tido, nem procurado, as mesmas oportunidades que eu para crescer, teve as dela que nem imagino, porque dificilmente imaginamos as oportunidades alheias, ou seja o que for que não nos pertence. Veio-me à ideia a presunção que por vezes ponho nas palavras, a forma desrespeitosa como por vezes menosprezo a sua experiência e acabei por sorrir: não há dúvida de que o que vai volta, para uns mais cedo, para outros um pouco mais tarde, mas volta sempre.

E quanto às dúvidas. É tão bonito e politicamente correcto apregoarmos que quanto mais sabemos menos sabemos, o que só é verdade visto do ponto da extensão do conhecimento, i.e., da noção cada vez mais extensa de possibilidades. O que não implica, evidentemente, que não se construam ao longo da vida alicerces assentes no conhecimento que a vida nos foi, amavelmente, transmitindo, através da experiência. 

Defender que não há certezas e afirmar isso como uma certeza inabalável é que é, não só estupidamente contraditório, como revelador de uma ainda muito fraca maturidade.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Gente parva, é o que é...

Melhor ou pior lá tenho sabido lidar com a vida e com todas as rasteiras que me tem pregado. É claro que poucos são os que sentem não terem sido vítimas de rasteiras mas com as rasteiras dos outros posso eu bem, as minhas, pelo contrário, têm-me dado muito que fazer.

Dizia eu que, melhor ou pior, lá tenho sido capaz de lidar com a vida. Com as pessoas, contudo, já não posso dizer o mesmo, e volta não volta lá me aparece pela frente alguém que me tenta com a perda de fé na espécie. O mais engraçado é que apesar de sentir, na pele, o resultado de sentimentos mesquinhos, acabo sempre com uma certa piedade pelo ser em causa, quanto mais não seja pela sua incapacidade de reflexão, introspecção, enfim, o que lhe quiserem chamar.

Pela parte que me toca sei que há gente capaz de me tirar do sério, coisa que seria de somenos importância se não me arrastasse, por breves instantes, para um campo que eu prefiro contornar por não me estar na alma – o dos rancores, das invejas e dos egos mal resolvidos.

Natal



No sábado passado cumpriu-se a tradição e a árvore ergueu-se. Sempre a mesma há mais de quinze anos. Sempre o mesmo ritual, quase sagrado, que desde que as crianças deixaram de ser crianças passou a incorporar almoço em família. Eles vêm, almoçam, enfeitam a árvore e vão, deixando-nos aqui para a olhar e recordar que é Natal, e que este ano estaremos ainda mais perto do espírito da quadra. Com menos prendas e mais gente, que é o que se quer. A família aumentou! Não tanto quanto eu gostaria, mas o suficiente ainda assim, para que continue a aumentar. O que é uma alegria! A maior de todas! Por isso quero lá saber se vão haver prendas de todos. Quero lá saber se as finanças estão apertadas. Vamos ser mais de dez a uma mesa e isso é: ma-ra-vi-lho-so.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Método experimental

Quatro cabos; uma embraiagem; um pedal e cerca de 400 euros, para descobrir porque é que um cabo, da candonga, rebenta em menos de nada!

Não passou pela cabeça destes doutores das máquinas questionarem-se, ao segundo rebentamento, quanto à origem do cabo! Não! Se voltou a rebentar, então é porque a embraiagem – TODA ELA! – está como há-de ir e o melhor mesmo é pôr uma nova.

Afinal não resultou! O despudorado do cabo voltou a rebentar! E porquê meus senhores?! Ora, porque o pedal está gasto! Vai de mandar vir um pedal e…agora sim, talvez o melhor seja mandar vir, também, um cabo de origem porque, agora que ela já pagou a embraiagem nova, talvez valha a pena pôr a hipótese do carrito ser esquisito e não aceitar cabos de imitação. Sabe-se lá! Pode ser que saia à dona que não suporta pechisbeques. 

Agora sim! Agora é que a embraiagem está como nunca! Mas então não era para estar já da última vez?!!! Ah, e tal, é que isto nunca foi só do cabo. A senhora veja bem o estado deste pedal!  

Gostava de ser outra para me ter fotografado a olhar os restos de uma peça desengonçada nas mãos do filho do mecânico, que ele nem apareceu! E dá cá mais euros!

Tive de lhes explicar, com boas maneiras evidentemente, que se eu pudesse trocar as peças todas, comprava um carro novo. Se este cabo voltar a rebentar o que é que vem a seguir? A caixa de velocidades?!

Pagaram vocês?!... Pois é. Nem eu.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Fotografia de família

Pelo caminho vão caindo que nem tordos os automóveis que não aguentam a pressão das infindáveis filas. E já não tem de ser dia útil, pode ser sábado, ou mesmo domingo, que a dança não muda. Será pela súbita escassez de transportes públicos? Será por estarmos no início do mês e termos adoptado aquela mentalidade do seja o que Deus quiser e embora lá enquanto é tempo e ainda se pode? O certo é que são mais que muitos e não há dia ou hora para se fugir do pára arranca que não termina nas portagens da ponte 25 de Abril mas continua, a maior parte das vezes, pela avenida da ponte, quer esta desça para Alcântara quer siga para outro destino.

Ontem levei mais de uma hora para chegar a Lisboa onde o jantar estava marcado para as vinte! Não ajudou a antiguidade que por ora conduzo, sem via verde, sem direcção assistida mas com um motor de meter inveja a muitos mais jovens que vão ficando pelo caminho. Passei por quatro. Quatro, de boca aberta pedindo socorro enquanto os restantes, impacientes, premiam as buzinas na esperança de endoidecer os portageiros e passar sem pagar.

Esperavam-me, e assim que entrei tentei ajudar. Na cozinha fui de encontro a um prato de sopa e logo a seguir, por retaliação, sofri um ataque da gata que morre de ciúmes e não deixa ninguém aproximar-se da dona.

Mas foi já à saída que reparei na pequena foto pendurada na parede.

Enfiadas numa moldura redonda, eu e as minhas primas. Elas de olhar posto na câmara, eu de olhos postos no infinito como se de lá algum bem viesse. Fomos quase inseparáveis durante anos. Aqueles anos em que as pessoas podem ser inseparáveis. Estou de laço na cabeça e a Leonor diz que pareço uma outra qualquer. Mas sou eu, no casamento de quem já partiu diz a Isabel, que eu nem memória tenho do lugar ou do momento.

Parece que durante anos passei por ela sem a ver, a fotografia. E só agora, que mudou de parede, é que dei de caras comigo, menina, de fita nos cabelos, pendurada por um fio numa parede. 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Gala do Fado

O rosto enrugado, de testa franzida e boca em meia-lua, está preso ao televisor na expectativa de regressar ao passado à boleia do fado cantado por outros. Há muita gente nova no fado, não há? Pergunta ela com um certo desconcerto na voz. E à medida que fadistas, músicos e apresentadores vão desfilando no écran, ela repara no vestido desta, no cabelo daquela e nas unhas por pintar! Que gordo que está! Que feio que é! E a dada altura eu sorrio e ela nem percebe porquê e pensa que é pelo músico que se ginga ao som da viola, mas não, é por ela, pela estranheza e sobressalto de não vislumbrar rostos antigos e ser incapaz de se ouvir quanto mais de interpretar o  desconforto. E quando a indago, Mas não está a gostar?! Ela diz que sim, que está. E nesse momento chegam aqueles por quem tanto esperou e a testa relaxa e a meia-lua da boca transforma-se, em quarto crescente.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Agiotismo

Corrijam-me se estiver errada: Os juros agiotas que estão a ser cobrados a todos os que precisam, devem-se à escassez de fundos. Certo? Mas então, se há escassez, onde é que se vai buscar a matéria-prima que gera lucros destes?!

É claro que se estivesse a falar de calças, de sapatos, ou mesmo de vinho num restaurante qualquer ali da esquina, lucros entre os 8 e os 10% surpreender-me-iam pela positiva. Mas é de dinheiro que falo! Lucros destes estão ao nível dos agiotas de Gil Vicente. Daqueles que iam, sem qualquer hesitação do dramaturgo, direitinhos para a Barca do Inferno.

Cortes nos subsídios

Afinal já só são cortadas as pensões milionárias acima de 600 euros! Felicidade. Felicidade.

O truque consiste em anunciar medidas drásticas, para algum tempo depois as aliviar ligeiramente, em termos de escala digamos que sobem menos de meio ponto (aqui ficava bem a palavra "percentual" mas nem vale a pena fazer as contas, tão irrisória que é a diferença) e o povo respira de alívio e bate palmas de contente – afinal a coisa não é tão má como parece!...

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Ser velha

Não sei se quero ser velha. Ter de me arrastar por corredores no assombramento da memória.

Não sei se quero ser velha. Não sei se saberei aceitar a perda do que foi e o ganho do que será. Não sei se saberei, até lá, preparar o meu espírito para todas as provações.

Não quero ser um trapo velho que se mantém por piedade. Um fardo. Um dever. Sei lá eu se sou amada! Ou se serei, nessa altura! Sei lá eu! Sei de quem amo, o que é já uma glória, que muitos nem disso sabem.

Hoje vi-a gritar por ser cega. Não vejo nada, queixa-se ela. E grita! Não grite que assusta as pessoas! Não é com vinagre que se apanham moscas. Mas ela quer lá saber disso! Ela não quer apanhar ninguém, quer apenas aquilo a que tem direito – alguma companhia enquanto ali está, já que é obrigada a estar porque o que ela queria mesmo era ir para a cama. Também eu, confesso. Há lá melhor sítio para se estar com este frio, este nevoeiro!

Mas isso é que não pode ser, diz-lhe a terapeuta. Cama é que não! E é tudo o que ela quer – deitar-se. Deitar-se e esquecer, nada mais.

Não sei se quero ser velha. Perdem-se tantos direitos, com a velhice! Quem é que se importa realmente com o que um velho, mesmo velho, quer?!

Não sei se quero ser velha.

domingo, 27 de novembro de 2011

Estranha Forma de Vida



Já lá vão alguns anos que levámos a jantar ao Clube do Fado dois ingleses. Apesar de não terem percebido uma palavra do que ouviram, posso jurar que um deles chorou.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Fama

O cancro do filho do jogador de futebol despertou uma onda de dadores de medula óssea e a vontade, por parte da RTP, de fazer programas sobre crianças com cancro. É simpático lembrarem-se dessas crianças já que elas existem há tantos anos e só quem nunca pôs os pés no IPO de Lisboa é que não sabe como proliferam.

Posto isto, e sem desejar mal a ninguém, dou comigo a pensar que se a fome batesse à porta de uma figura pública…quem sabe…

Desejos

A mulher que limpa a escada sonha com o homem do segundo andar. Não há alminha que passe por ela que não tenha de ouvir o que ele fez e não fez, a forma hedionda como trata a mulher e o quão sovina é, não se sabe se de finanças se de amores que isto de se falar de mais sobre alguém traz sempre água no bico. Ele já passou dos oitenta mas ainda tem figura para assombrar os quase setenta da mulher que limpa a escada.

No início a conversa versava o mal que ele tratava a respectiva, praticamente inválida, a forma como gritava com ela e a insistência em não contratar fosse quem fosse só para não gastar dinheiro – “Que ele tem! É é um grande sovina, isso sim!”
A seguir foi o lar onde ele finalmente a meteu, que isto de ter passado dos oitenta e ter de tratar de uma inválida, não é para todos – “Não podia ser pior! Veja lá vossemecê que até proibiu as visitas!...”
Ontem apanhou-me a sair do prédio – “Já cá tem a sua vizinha de volta!”, informou-me ela com o ar de despeito que só tem quem é despeitado, “ trouxe-a para casa, só para não ter de pagar ao lar!...e tão bem tratada que ela era!...”

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Imperfeições


São omnívoros; gostam de mel - quem é que não gosta?! estão muito mais protegidos do frio, e são maiores, muito maiores! mais fortes! mais resistentes! Por que carga de água é que eles hibernam e nós não?!!!

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Breves

Ontem sentiu-se mal. Subiu-lhe muito a tensão e tiveram de lhe meter um comprimido debaixo da língua. Há 36 anos a preocupação com a saúde era coisa que não lhe assistia. Agora aterroriza-se ao mínimo sinal de alerta.

“Que não lhe assistia”! é extraordinária a forma como certas expressões invadem o nosso quotidiano! Entram na moda e depois morrem. Eu gosto desta, como gostei de outras – “eu é mais bolos…”; “paletes delas…” – que hoje já não posso ouvir.  Causam-me nervoso miudinho.

À parte as expressões o facto é que ao meu pai não lhe assistia a preocupação com a saúde como lhe assiste agora. Há 36 anos a vida encarregou-se de lhe mostrar que é uma preocupação mais do que legítima – necessária.

Eu ando a tentar libertar-me desta prisão que é inventar soluções para a própria vida. Preciso de aprender a aceitar as coisas como são e deixar de me sentir responsável por tudo o que acontece à minha volta. Já chega. Há 36 anos que ando nisto!

A má disposição de ontem passou-lhe com descanso. Faz hoje 79 anos. O almoço é cá em casa. Que aguente mais uns minutos. Já estou a caminho.

domingo, 20 de novembro de 2011

As palavras são como as cerejas

Chovia desalmadamente quando cheguei à porta do restaurante tentando que um chapéu nos cobrisse aos três. Lá dentro caras de há mais de trinta anos – long time no see – e só o correr da noite trouxe as memórias mais vadias, aquelas que nascem dos cruzares e dos encontros mais esporádicos. O Loução animou a festa que se deixou animar por ele. Um medronho de qualidade superior circulou por entre as gentes que apreciam este tipo de bebida. Eu passei. Bebidas brancas não dão comigo, queimam-me as entranhas. Não vi ninguém a cair e pensei que foi preciso chegar a esta idade para sermos capazes de ser sem precisar de empurrões. Só o Jorge e nós, aos pulos.

É bom sentirmo-nos em casa. Gostei tanto de estar convosco! Foi como um oásis, uma ilha de passagem que naquele momento me recebeu, aconchegou e me fez sentir parte de qualquer coisa.

Passou o efeito quando desci a rampa em direcção ao carro. Já não era tanto a chuva, mas a escuridão e o silêncio. Um grupo de três rapazolas anda há dias a roubar quem quer que passe pela rua de onde eu saio, obrigatoriamente, todos os dias. Onde me detenho a fechar grades, noite escura, e a olhar por cima do ombro, tal e qual fiz quando de visita ao Brasil.

Já não me sinto em casa no meu próprio país!

Um cão. Um cão poderia ser uma solução, para isso e não só. Mas a Laika não é esse cão. Muito maior do que parece aqui no écran, não pára de ladrar numa zanga que se lhe entranhou na alma e que não somos nós que vamos curar. Tanto que há para cuidar por aqui!...Não, a Laika não. Talvez uma outra, quem sabe…

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Somos descobridores - descubramos, então.


                                "Em Direcção à Luz", Licínio Saraiva

Cansado e desiludido, Deus suspira bafejando o horizonte. A luz chega-nos opaca e triste e, nas nossas almas, entranha-se, lentamente, a escuridão.

Rasgue-se o céu com novas preces. Inventem-se palavras. Abram-se horizontes. Descubram-se novos caminhos.

Hoje não chegará o regresso a Ítaca. Hoje, é urgente encontrar a Inusitada Ilha.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Por hoje, estou perdoada

Se eu pudesse voltar atrás e mudar um momento crucial da minha vida, escolheria aquele em que decidi não me inscrever na Escola João de Deus e rumar à Holanda. Foi precisamente no dia em que as pautas saíram que eu decidi que o melhor que tinha a fazer era pôr-me a mexer daqui para fora, longe de casa e da imagem do meu pai, sentado no canapé, enveredando todos os esforços para mexer uma mão que até hoje se recusou a obedecer às suas ordens.

Esse seria o momento que eu mudaria. Hoje, evidentemente. Provavelmente em um outro dia qualquer mudaria um outro qualquer momento. É assim que somos – insatisfeitos; imperfeitos e mal de nós se formos demasiado exigentes.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Laika

Cá em casa decidimos ter um cão. Ou melhor, uma cadela. Terá de ser de porte pequeno e pelo encaracolado para que não nos leve a reboque e possamos adormecer sem pelos espetados nos edredões. Convém que seja adulta. A energia da juventude só serve a quem a sente e por cá há muito que se esfumou, dando lugar à paz e à calmaria. A raça não é importante. Importante é que cumpra com estes requisitos.

No próximo sábado vamos visitar esta menina. Dizem que é desconfiada. Pode ser que em nós confie.


terça-feira, 15 de novembro de 2011

Em duvidoso equilíbrio

Não me recordo em que altura da minha vida passei a viver empoleirada numa trave olímpica. Já fiz ginástica desportiva e garanto-vos – as paralelas assimétricas são muito mais fáceis. A trave é um tortuoso exercício de equilíbrio poucas vezes bem realizado e sempre, sempre, muito tenso. Em cima de uma trave olímpica os saltos não são saltos, são saltinhos, dados a medo não vá o pé resvalar. A deslocação é sempre feita com um pé em frente do outro, o mais junto possível para não se perderem, ou pior, trocarem que isso sim seria catastrófico principalmente se não existisse colchão para amortecer a queda. Depois os braços, de preferência abertos ou em arco levantados mas sempre como varas equilibrantes, sempre.

Pois eu, provavelmente, não deixei a minha trave olímpica e ando, ainda hoje, a lutar por um estável equilíbrio enquanto avanço passo a passo, com jeitinho, a ver se não troco os pés.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Chega de enganos

Somos 7 000 000 000. Quantos de nós atingem notoriedade? Quantos de nós conseguem, sequer, realizar metade das certezas que nos sustentam os primeiros passos? E, no entanto, não paramos de nos injectar possibilidades, criando, no seu não cumprimento, frustrações imensas que nos roubam as forças e as vontades e nos separam, cada vez mais, dos poucos que, muitas vezes por força de circunstâncias, são a excepção que legitima os constantes enganos que nos atacam por todos os lados fazendo-nos crer que podemos. Não, não podemos! E quanto mais ambicionamos, menos podemos. E quanto menos pudermos, maior será a frustração.

Neste momento precisamos de Velhos do Restelo. Não precisamos de mais disparates destes. Precisamos de aprender a viver com uma realidade que é diferente dos sonhos. Precisamos de sonhar em outras direcções. 

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Pai Natal


Talvez devêssemos nunca ter acreditado no Pai Natal. Alguns de nós podem não recuperar de tamanha desilusão.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Equilíbrio vs desequilíbrio


Ontem a Daniela recordou-me uma teoria demonstrada de forma simples por estes senhores e que prova a vantagem de entrar em desequilíbrio para se dar um passo em frente. O equilíbrio mantém-nos estáticos. Experimentem. 

No meio de uma sala mantenham-se de pé, equilibrados. Depois, têm duas formas de desequilíbrio – inclinando o corpo para trás, ou para a frente. Escolham avançar, é sempre melhor. Sem moverem os pés, inclinem o corpo para a frente. 

Chegará o momento em que serão obrigados a avançar, mais um passo, em direcção ao futuro.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Da selva



Há uma táctica coerciva, vulgarmente adoptada por incompetentes, que consiste em apontar no outro falhas e erros, antes que os seus se manifestem. É uma táctica defensiva, e a maior parte dos utilizadores não tem uma consciência clara da sua aplicação, fá-lo por instinto. Mas tem, contudo, consciência das suas incompetências e envergonha-se delas.

Já os outros, os desavergonhados, ainda que por vezes inicialmente incompetentes, já não a utilizam. Muito pelo contrário, dão-se à morte quando alvos do enxovalho, acabando por assimilar o ensinamento, o que lhes permite a transformação gradual em seres competentes, acabando por abandonar o grupo a que inicialmente pertenciam.

Os primeiros, pelo contrário, tendem a permanecer para sempre presos na vil e triste incompetência e na ignorância que lhe assiste.

domingo, 6 de novembro de 2011

Da paixão


             Imagem daqui - Paixão Segundo S. Mateus de António Dulcídio

A paixão só é útil quando sentida pela vida em si,  mantém-nos vivos enquanto tal. Do particular, ela deve ser abolida - confunde o amor; estraga a criatividade e baralha o raciocínio.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Longevidade

Entre 1960 e 2009, a esperança média de vida passou dos 66,4 anos para os 82,1. Já a taxa de natalidade desceu dos 24,1%0 para os 9,4%0, sendo que em 2010 subiu ligeiramente para os 9,5%0. Quanto à taxa de mortalidade, não oscilou grande coisa, pelo que se pode depreender que não se morre nem mais nem menos do que se morria há cinco décadas atrás. Resta-nos portanto o facto de vivermos cada vez mais anos – o que é, sem dúvida, um resultado do progresso; e de nascermos cada vez menos – o que é, sem dúvida também, um resultado do progresso. Só que a jogar em campo contrário.

Ora até que ponto é que o progresso está, efectivamente, a contribuir para a nossa felicidade global e colectiva é a pergunta que eu gostava de ver respondida porque me fico com a sensação de que tendemos a debruçarmo-nos sobre o particular e perdemos de vista a totalidade, pelo que corremos o risco de estar a dar uma no cravo e outra na ferradura sem passarmos efectivamente de cepa torta ou, na melhor das hipóteses, andamos a iludirmo-nos por algumas décadas em que tudo brilha como ouro, e mesmo assim só para alguns, para depois sacrificarmos outras tantas ou mais ainda a vivências miseráveis em que a humanidade parece regredir a uma velocidade impensável e se, em outras épocas históricas de queda e recuperação, existiam talvez uma ou duas gerações felizes, agora parece que nem isso, i.e., o espaço entre a ascensão e o declínio está a ficar cada vez mais curto, ou é da minha vista.

Pela parte que me toca, em meio século já me baralharam, pelo menos, duas vezes, o que, convenhamos, não é nem agradável nem um bom sinal. E se formos a ver bem não nos encontramos sequer perto do epicentro…

É claro que haverá sempre aqueles que vivem em negação e que, neste particular, gostam de afirmar que a imigração tratará de equilibrar a falta que fazem as crianças que deixaram de nascer por essa Europa fora. Esquecem-se contudo estas boas almas, que no nosso tempo de emigrantes – que já aí está outra vez – pouco dinheiro ficava no país onde se trabalhava a vida toda. Um emigrante raramente deixa de sonhar com o regresso e sempre que pode vai construindo “lá na terra” a “casa” dos seus sonhos, seja lá isso o que for.

Por outro lado é importante que se saiba que as reformas dos pensionistas são pagas com os descontos de quem agora trabalha e não com o dinheiro que descontaram esses mesmos pensionistas durante o seu período activo. Pode parecer estranho, mas há quem não tenha disto consciência. Ora, assim sendo, as reformas de quem agora trabalha serão pagas por aqueles que estiverem, nessa altura, a trabalhar, sendo que a pirâmide demográfica estará, pelo andar da carruagem, praticamente invertida, i.e., haverá muitos reformados para poucos trabalhadores.

Digam-me portanto os especialistas, que ando eu por cá a fazer mais de oitenta anos sem dinheiro para comer ou para pagar a minha casa. Que ando eu por cá a fazer, mais de oitenta anos, se não tiver condições de vida? A mim parece-me que a resposta é só uma – andarei a sobrecarregar ainda mais os poucos que por cá ficam a trabalhar; sentindo-me miserável e desejando, provavelmente, que o progresso tivesse, em determinada altura, seguido por um caminho diferente daquele que até hoje ainda não se cansou de seguir – o da longevidade. 

E, já agora, em que momento é que os cientistas, envoltos no entusiasmo da descoberta, deixam de pensar na humanidade para pensarem apenas na descoberta? E quem diz cientistas, diz as pessoas. Todas. Quantas existem verdadeiramente capazes de pôr a humanidade acima dos seus próprios interesses? Quantas as capazes de abrir mão seja do que for em beneficio do bem comum? Quantas?

E calo-me. Aliás era suposto tê-lo feito em “longevidade”. As minhas desculpas.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

"O Senhor Doutor"

E passou-se praticamente uma semana desde a última vez que por aqui passei. É assim. Tem dias em que as palavras não me cabem cá dentro e outros em que se esfumam mal ameaçam nascer.

Não, a tristeza não me abandonou. É pena. Gostaria de ter melhores notícias para vos dar. Infelizmente não tenho. A tristeza oscila, lá isso…pesa mais nuns momentos que noutros e tenho até rasgos de riso. Riso! O riso, só por si, e como sabem, não é indicador de alegria, pode até não passar da manifestação de uma sede de a possuir. A ela que anda tão esquiva… Mas “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”. Por isso rio sempre que posso. E hoje pude.

Quando era miúda tive lá por casa o livro do Oliveira Cosme As Lições do Tonecas. Este livro esteve durante muitos anos afastado de todos os públicos e foi uma série de televisão com o mesmo nome que o fez renascer para estas gerações mais novas que, na sua maioria, nem conhecem a obra senão alguns dos textos que foram aproveitados para a dita série. De resto, provavelmente, também foge ao conhecimento de alguns que o livro de que falo se editou a partir de um programa de rádio que o autor tinha em 1934 no Rádio Clube Português com o nome de “O Senhor Doutor”, mas isso também não interessa para nada, como diria uma outra senhora, desta feita da televisão. O que interessa para aqui é que aos miúdos de agora, como àqueles do meu tempo de criança, caiu-lhes no goto os disparates do maior cábula da história. Cábula, mas cheio de graça e de presença de espírito.

Não sei se por osmose se por contágio, alguns miúdos, especialmente rapazes, apanharam-lhe o espírito e hoje um levou-me às lágrimas com uma cena que mais parecia acabadinha de sair da boca do Oliveira Cosme apesar de ser totalmente original.

Não a vou relatar aqui. Perderia parte da graça. Mas afianço-vos que há coisas, simples, muito simples, capazes de despertar a imaginação mais empedernida e de transformar um rapazinho simples, muito simples, em alguém muito especial e, mesmo que esse momento dure quase nada, a semente da especialidade foi deitada à terra e depois, é só regar.

domingo, 30 de outubro de 2011

O gigantismo do infinitesimamente pequeno

Ultimamente tudo me entristece. Entranhou-se-me uma mágoa da vida que me afoga devagar em lágrimas que não chego a chorar. Tudo é enorme. E tudo é infinitesimamente insignificante e é essa insignificância que  dói. Essa enormidade de tudo ser, afinal, tão insignificante. E apertam-me as saudades das pessoas, dos abraços, dos beijos, das carícias. Andamos todos tão extravagantemente sozinhos. Fechados nos medos e nas desilusões. Tão extravagantemente desamparados.

sábado, 29 de outubro de 2011

Afinal vivem!

Julgava-os mortos, todos eles:  Inês, Picuinhas, Mariana. Especialmente a Mariana, vítima de preconceitos e medos, se é que não são uma e a mesma coisa, que isto de olhar de frente para certas realidades requer alguma coragem.

Julgava-os mortos mas afinal estão vivos. Aqui. E em todos os pontos de venda destes senhores ou, se não, pelo menos junto à cafetaria do metro do Marquês, onde um amigo teve a gentileza de os fotografar.





"Alguém viu por aí o meu estatuto?"*

Há dias, numa dependência da CGD, enquanto esperava para ser atendida, vi alguém sair de um gabinete posicionado numa zona, digamos assim, mais privada. Convencida que um gabinete é um gabinete, avancei.

Que não, que aquele era para os clientes da Caixa Azul.

E quando quis saber mais sobre esses clientes recebi um daqueles sorrisos cínicos e altivos que só por si nos excluem automaticamente do rol. Ter-me-ia sentido a Julia Roberts em Pretty Woman se fosse americana. Mas como sou portuguesa senti-me uma peça atirada para o molhe. E recuei. Recuei uma série de anos e esse recuo deprimiu-me porque de repente pensei – meu Deus! devagarinho vai tudo voltar ao mesmo! Só os personagens vão mudar!

E imaginei a quantidade de gente que vai andar para aí deprimida porque se há coisa tramada de se perder é o estatuto. 

Pior do que isso, só ver o ar de satisfação de quem não o tinha e passou a ter...eu vi-o, em muitas caras, logo a seguir ao 25 de Abril. 

* Frase proferida pela actriz Florbela Queirós num teatro de revista, de que não me recordo o nome, que esteve em cena no Parque Mayer.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Quando a vida é madrasta

Costumo ter sentimentos mistos perante aquelas pessoas, muitíssimo bem informadas, experientes e capazes de classificar, com alguma facilidade, as escolhas alheias.

(Esta frase deveria ter começado com: Acho muita graça. Assim sim, seria coerente – toda ela irónica) Recomeçarei, portanto:

Acho muita graça àquelas pessoas muitíssimo bem informadas, experientes e, por isso, habilitadas a classificar as escolhas alheias. São geralmente pessoas que entraram na vida almofadadas e com a possibilidade de a manter assim até ao momento em que puderam fabricar as suas próprias almofadas.

E acho-lhes graça porque quando penso no assunto o que me vem à ideia é – Quem raio é que, em seu perfeito juízo, faz escolhas erradas?! Não são certas, para quem as faz no momento em que as faz, todas as escolhas? O que pode existir, e existe, é o tipo de pessoa que não escolhe de todo, que se deixa ir na onda. Mas os que escolhem! Quer dizer, convenhamos que seria bastante estranho escolherem o pior!...

O que acontece, mesmo com alguns almofadados, é que as coisas mudam, as circunstâncias mudam, e o que na altura parecia uma boa escolha revela-se, para mal de muitos pecados, um logro.

No entanto, é nos logros que se vê a raça de cada um, não nos êxitos, não nas almofadas. Nos logros. Nas mudanças. Nas escolhas que afinal correram mal. Aí sim, é que nós nos revelamos. Aí, e nos maus momentos alheios. E desses fugimos, quase todos, como o diabo foge da cruz – dão medo. Recordam-nos, constantemente, que a vida pode ser madrasta.  

domingo, 23 de outubro de 2011

O La Féria, o Fado, a História de um Povo e a Moeda

A moeda surgiu na Idade Antiga para facilitar as trocas de produtos já que por vezes vendedor e comprador não estavam de acordo quanto aos valores das respectivas mercadorias. Ela podia, e pode, ser qualquer coisa: conchas; sal; bois; facas; discos de pedra; metais… desde que todos estivessem, estejam, de acordo em relação ao seu valor.

Quanto ao significado muito se tem dito por aí, mas uma coisa é certa – tratando-se de uma invenção do Homem ele pode ser fabricado, reinventado, transformado... O problema reside nas regras que ao longo dos tempos foram envolvendo esta nossa invenção.

Eu pouco ou nada percebo de economia mas recordo-me de ter aprendido há alguns anos que a emissão de moeda estava directamente relacionada com a produção de cada país.

Em determinado momento, que não sei precisar mas que suponho esteja relacionado com a emissão de uma moeda única e com este sonho de uma economia global em que cada país deixa de ser um produtor de bens para passar a desempenhar um determinado papel no conjunto da união a que pertence, sendo que esse papel pode ou não ser o de produtor, a coisa mudou. A emissão de moeda deixou de estar directa, e simplisticamente, relacionada com a produção de bens para se relacionar com os mercados – esses quase-enigmas que lembram os deuses da Antiguidade Clássica – cruéis, impiedosos, habitantes de um Olimpo distante, absolutamente inatingível para os pobres mortais que somos todos nós.

Contudo, apesar de ter mudado, parece-me a mim que a filosofia subjacente se mantém. Isto é, aquilo a que se atribui valor continua a estar relacionado com a produção de bens, sendo que o conceito de bem não se alterou. Não se considera, por exemplo, um bem, um produto exclusivamente cultural, ou um serviço prestado aos cidadãos sem retorno financeiro. As contas continuam a ser feitas com o “deve” e o “haver” por base, a relação custo/benefício sendo que só se considera benefício o lucro financeiro – um bem ou um serviço pode ou não ser rentável e para um governo prestar um serviço não-rentável terá de cobrar impostos porque ele tem de ser pago de alguma maneira.

Mas porque é que não se considera que o facto de, por exemplo, haver médicos que tratam prontamente as pessoas evitando males piores, é um valor? Um valor contável, evidentemente. Porque é que não se contabiliza, por exemplo, o avanço humano que um projecto cultural pode proporcionar a quem dele desfruta? E, a partir destes novos braços do conceito de lucro, não se emite moeda e não se acaba com este disparate? Por exemplo…

E estava eu nestes preparos e o La Féria a desfiar o Fado pelo palco do Casino, o do Estoril.

sábado, 22 de outubro de 2011

O desconhecido

Nascemos, crescemos e morremos sem saber exactamente qual o propósito de tamanha travessia. E sabendo de fonte segura que mais cedo ou mais tarde partiremos desta vida, confundimo-nos amiúde com o valor das escolhas. Qual deverá ser o seu fundamento? O nosso prazer? O prazer de outrem? O presente? O futuro?

Mas mais profunda que todas estas imprecisões é a sua inexistência. O passar pela vida sem pensar sequer, sem olhar para dentro, sem querer saber dos porquês e para quês que, não dando respostas precisas, servem para nos conhecermos e para nos ajudar a redefinir o trajecto, abrindo caminho aos que hão-de vir, ajudando o todo a crescer e prevenindo, porque "mais vale prevenir do que remediar", a passagem para o desconhecido, é um risco. Porque é isso a morte – um desconhecido que tanto nos pode transportar para o vazio, para o nada, como para outro lugar qualquer onde conte, quem sabe?, os progressos que alcançámos enquanto por cá vivemos. 

E aqueles que se revoltam, sempre que este tema vem à baila, e aqueles que afirmam do alto da sua sabedoria que "se morre e pronto. Tudo acaba", têm medo de admitir que da morte sabem tanto quanto aqueles que afirmam que "partem para outra vida" e que a legitimidade das suas palavras não é maior e que quem manda em todas as matérias sobre as quais o Homem não alcança, ainda, qualquer tipo de conhecimento, é a crença e nada mais do que crença. Que é como quem diz - é tudo uma questão de fé. Mesmo para aqueles que precisam, incessantemente, de a  negar.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Muamar Kadafi - De Bestial a Besta ou Como a História tem Contornos que Desconheceremos para Todo o Sempre



Espero que a forma como os rebeldes trataram Muamar Kadafi não seja prenúncio da forma como tencionam reger o país. Na História não faltam ditadores e assassinos com fins que elevam quem os condena. Não foi o caso de Kadafi. A violência  que envolveu a sua morte e a divulgação exaustiva dessa violência são o comprovativo de uma ideia primitiva de que as presas se transformam em perdedores mais cruéis ainda se isso for possível. E é sempre – a imaginação do Homem não tem limites.

Desejo tudo de bom para o povo Líbio. Sobretudo que saiba viver a Liberdade que tanto ambicionou.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Eu não disse?

Começam a aparecer mais Vitais. Desta vez são os da EDP. Bom, não serão bem Vitais, são mais Imerecedores. António Mexia diz que não pode aplicar as novas medidas aos exemplares funcionários da EDP que tão bem se têm portado!

Já dos restantes funcionários públicos não se pode dizer o mesmo. E é assim que os cortes nos subsídios passam de Necessários, ou mais uma das tantas Medidas de Solidariedade para com os filhos da megera que deram cabo disto tudo, a Castigo para quem se portou mal.

Eu sei – ultimamente parece que tenho o disco riscado. Mas é que estas coisas não me saem da cabeça, o que é que querem?! Prometo que vou fazer os possíveis por mudar de agulha.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Banco de Portugal


E dizia esta manhã o governador do Banco de Portugal que existem, no Banco, certos quadros que não podem estar sujeitos às medidas exercidas sobre os funcionários públicos uma vez que não podemos correr o risco de ineficiência em sectores vitais.

Esqueça já aqui quem pensa que estas medidas agora aplicadas e a aplicar pelo governo são daquelas que unem um povo solidário e determinado a ultrapassar problemas. Um povo capaz de punir responsáveis e capaz de seguir em frente.

Esqueça já aqui quem pensa que os médicos nos hospitais ou os professores nas escolas e nas universidades são figuras vitais, desempenhando serviços vitais. Não são. 

Os quadros do Banco de Portugal, sim. Esses são vitais. E, devagarinho, ainda vamos descobrir mais Vitais escondidos por aí, vocês vão ver...

terça-feira, 18 de outubro de 2011

1974/1975

Olho-me aqui, há tantos anos atrás, e parece-me que foi, não ontem, seria um exagero, mas tão próximo quanto o é a identidade. Quem sou eu? Esta que aqui vejo ou a figura que me olha ao espelho? Por vezes penso que a minha alma cristalizou neste ano.

Poucos meses antes toda a minha vida tinha mudado, arrastada por uma doença que incapacitou o meu pai, até hoje. Por vezes pergunto-me se algum dia saí deste liceu. Há uns dias uma velha amiga levou-me às lágrimas quando, para ilustrar a flacidez das suas carnes, me dizia que a uma determinada velocidade, de braço apoiado na janela, os ossos chegavam ao destino muito antes dela que, empurrada pelo vento, tendia a deixar-se ficar para trás. Talvez isso nos aconteça a todos – os ossos andam em frente, mas a carne teima em deixar-se ficar.

Um dia destes saio à rua

Não participei no movimento de sábado passado, o dos Indignados. Não significa isto que não esteja indignada. Estou. Estou indignada com os salários que o Estado tem andado a pagar a gente que dirige empresas, e um país, que dão prejuízo ano após ano. Maus quadros, maus gestores. Estou indignada com as medidas que vão recair sobre quem já pouco tem e sobre a classe média deste país que, mais cedo ou mais tarde, provavelmente desaparecerá, não porque ascenderá aos céus, mas porque descerá aos infernos.

Estas pessoas que andaram a usufruir de ordenados muito acima daquele que era suposto marcar o limite dos salários da Administração Pública – o do Presidente da República, e todos aqueles que permitiram esse estado de coisas, principalmente esses que permitiram esse estado de coisas, têm de ser chamados à responsabilidade e eu não estou só indignada, estou a ficar muito zangada. Sim, eu sei que isso pouco importa, pelo menos assim parece. Mas, acreditem, pesa. E eu explico porque é que pesa.

Não sou pessoa de grande alarido. Nem grande nem pequeno. Sou aquilo a que se convencionou chamar um low profile. Não me exalto facilmente nem tenho grande apetência para participar em manifestações. Não acredito em grandes mudanças com origem em manifestações, acredito que é na atitude e na mentalidade de cada um que as mudanças se operam, na educação, na cultura. Acredito que cada um de nós pode mudar o seu pequeno mundo e será essa a sua colaboração para uma mudança maior que se arrastará ao longo dos tempos, excepto em alturas de crises graves, como esta. Nessas alturas a coisa costuma ficar muito preta e deixar sempre pelo caminho um rasto de vítimas, na maioria inocentes, porque os culpados já se fingiram de mortos. Em alturas como, começo a temer, esta, o mundo costuma rebentar em guerra. E isso provavelmente acontece quando pessoas como eu – pacíficas – começam a sentir vontade de sair à rua.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Dos poemas e dos Poetas

O que é ser Poeta? Quando é que determinado texto pode ser considerado poético? Quando rima? Quando é composto de versos?

Uma vez, há seis anos atrás, enviei para um amigo que estava longe o seguinte e-mail a propósito de umas fotos tiradas nas ilhas gregas:

Achas que se me esforçasse muito conseguiria, um dia, arranjar aqui um trabalho que me sustentasse para poder por lá ficar a viver? E depois, com o tempo e todo aquele mar, que me conseguiria transformar, como que por magia, numa escritora de renome e conseguiria, assim, um dia também, deixar de servir às mesas para me poder dedicar só, exclusivamente, aos meus livros que escreveria, sempre, em frente àquele mar imenso, sentada numa daquelas cadeiras azuis, que se encontram em frente às mesas azuis que dão para as portas azuis das casas quase imaculadamente brancas?
Achas que, se me esforçasse muito, poderia um dia vir a ser uma cidadã de reconhecido direito a habitar num lugar como este? A andar sempre de sandálias e vestir blusas sem mangas, daquelas que deixam os ombros ao sol, e que eu gosto tanto? Achas que, se me esforçasse muito poderia passar o resto dos meus dias a beber, o que quer que seja que eles bebem, até me fartar de ver tanto mar, tão azul? Tanto horizonte meu Deus quem me dera!

Ele respondeu-me dizendo, entre outras coisas, que tinha gostado do poema!

Para Espanca, “ser poeta é ser mais alto, ser maior/Do que os homens!”. Para Pessoa é ser "fingidor". Sophia diz que o poeta vê mais, vê tudo. Para Sophia, por detrás de um poeta, da própria poesia, está a visão do mundo numa ânfora, está uma “túnica sem costura”. Para ela a poesia é união e o poeta o unidor. Para todos o poeta é o que VÊ, o que vê para além de…o que compreende a totalidade do mundo e depois, para a mostrar, “finge que é dor a dor que deveras sente”.

É poético todo o texto que nos mostra um horizonte maior do que aquele que veríamos se o não lêssemos. É poeta todo aquele que, num momento de inspiração, é capaz de nos mostrar que afinal não há nenhuma costura na união de todas as coisas.

Assunção Esteves ou Porque Carga D’água Não São Públicos os Percursos dos Nossos Políticos

Recebi, por e-mail – um daqueles e-mails que circulam por aí – uma mensagem acerca da nossa Presidente, ou será ta, da Assembleia da República denunciando uma reforma antecipadíssima - aos 42 anos; simpática – de cerca de três mil euros; conseguida ao fim de um curto período laboral – dez anos.

Ao longo destes anos de www tenho aprendido que o melhor é tentar confirmar estas afirmações que correm por aí tantas vezes suportadas, a maior parte das vezes até!, por boatos espalhados porque sim ou por outros motivos que não vêm agora ao caso.

Assim, andei por aqui a “passear” em torno do nome Assunção Esteves, para concluir que não existe – pelo menos eu não encontrei – uma biografia completa da senhora, à disposição do público votante, que somos nós.

Está certo que não votamos para este cargo (se calhar devíamos já que é o segundo mais importante do país). Mas, ainda assim, não teríamos nós direito a saber o que é que estas pessoas que tão facilmente põem e dispõem da nossa vida andaram a fazer a vida toda? Onde estudaram; o que estudaram; onde trabalharam; com quem; durante quantos anos; o que os levou a sair de um lugar para outro… não teremos nós direito a ter acesso a informação que, na minha opinião, é fundamental para a avaliação de alguém que pretende sentar-se em cargos públicos desta natureza? Não nos é exigido, a cada um de nós, um CV completo cada vez que nos candidatamos seja ao que for? Não somos nós os eleitores? Os que votam? Então?!... 

domingo, 16 de outubro de 2011

Novos caminhos e pneus abandonados

Tenho tirado umas fotos ultimamente. Não muitas. Mas tenho tirado. Fotos de coisas que me chamam a atenção. Fenómenos naturais que me assaltam quando conduzo. 

Creio estar relacionado, este meu novo interesse, com a Estrada Nova. A Estrada Nova leva-me e traz-me aos mesmíssimos lugares que outras antes, mas por caminhos diferentes. E, digam lá o que disserem, os caminhos por onde vamos são fundamentais. São eles que mudam a nossa visão dos lugares. Este lugar pode até ser lindo mas se o caminho que me levou até lá estava enlameado, eu não quero lá voltar.

A Estrada Nova é nova. E percorre caminhos francos, honestos, bem alcatroados – os homens descobriram há pouco que as estradas ficam mais lisas se nelas calcarem os pneus abandonados. Estamos sempre a aprender, e os caminhos, até os caminhos! só lucram com isso.




Nevoeiro

Há dois dias que é isto! Acordo e o nevoeiro recorda-me que vivo numa Charneca. Separa-me do resto do mundo e expulsa-me da varanda ao entranhar-se-me na carne. Depois levanta. Mas deixa-me sempre com a sensação de que só existe aqui.



sábado, 15 de outubro de 2011

Um pouco mais de paciência

Por vezes interrogo-me quanto ao propósito deste espaço, que afinal é ainda mais privado do que o imaginei, mas depois vêm pessoas dizer coisas assim, como estas, e eu fico desarmada e tenho muita vontade de lhes pedir um pouco mais de paciência até que a minha vida me deixe abrandar um bocadinho e eu possa voltar a pensar, sentada no fundo de mim.

E depois, se me deixarem, volto a contar-vos as palavras que por hora vão repousando tranquilas.