domingo, 1 de julho de 2012

A Casa dos Espíritos

A tia está a ficar cada vez mais velhinha e a vontade de que o tempo volte para trás é quase inevitável e espalha-se pelos outros membros da família, até pelos mais novos. 

Discute-se o interesse de semelhante viagem – viver tudo outra vez, o que não é, de todo, desejável, ou ter essa extraordinária oportunidade de voltar atrás sabendo exatamente o que se sabe hoje. Assim sim!, certas escolhas seriam muito mais certas do aquilo que foram, com a vantagem de se ter à partida uma fonte de rendimento bastante promissora, já que os adivinhos não ganham nada mal, especialmente quando acertam e, tratando-se de gente que se cruzou connosco nessa vida, seria difícil não se acertar.

Viveríamos assim uma espécie de romance onde desempenharíamos o papel de narrador participante mas omnisciente ainda assim, figura que não existe nas categorias da narrativa, por enquanto, só por enquanto, dado que assim que pudermos empreender semelhante viagem, passará a existir e a ser, ou me engano muito…, extraordinariamente desejada.

Fala-se assim de tudo o que é vida evitando a todo o custo o seu destino fatal – a morte. Sussurram-se medos e desconfianças acreditando que se poupa o seu provável destinatário que finge que não percebe, ou não quer perceber, as preocupações dos que o rodeiam. Ficamos nós sem saber o que lhe vai na alma e sem a poder consolar, ainda que eu desconfie da falta de abertura para falar sobre um tema que nos continua a aterrorizar de uma forma quase sagrada.

De vez em quando lembro-me da protagonista da Casa dos Espíritos que, sentindo chegar a sua hora, mandou sair a neta, depois de lhe explicar o que estava a acontecer, e se deitou confortavelmente no seu leito, aguardando a partida, sem medos ou arrependimentos, assim como quem enceta uma viagem. Mas essa via para além de nós. Essa, provavelmente, foi das poucas que conseguiu voltar trazendo consigo a memória.

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