quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Não quero ser o homem invisível


“Não há nada pior do que a vida que não é observada.”
Yalom, Irvin D. (2007). Mentiras no Divã. Lisboa: Edições Saída de Emergência (p.124).

Pode estar aqui a resposta para o sucesso dos reality shows. Pode estar aqui a resposta para o mau comportamento de muitas crianças ou para os achaques e manias de muitos velhos.

Por muito vazia que seja a nossa vida, ela é nossa e alguém tem de a testemunhar. Alguém. Seja quem for. Não há nada pior do que a sensação de invisibilidade – se ninguém me vê, então é porque eu não existo e, se não existo, o que ando eu para aqui a fazer?!

Há quem substitua a humanidade pelo divino e se possa dar ao luxo de não precisar de nenhum observador de carne e osso. Aos eremitas chegam-lhes os deuses e podem até exercer a sua misantropia crónica, deixando-nos sem resposta para perguntas como: para que serve tanta religião concentrada num só ser que não só não a partilha como se mostra incapaz de ajudar seja quem for…

Para os descrentes a coisa pia mais fininho – é sempre mais fácil, e equilibrante, acreditar num deus omnipresente do que esperar a atenção de seres com as mesmas características que nós. Até porque sabemos de fonte segura que somos seres altamente falíveis e frágeis, pelo que convém não esperar dos outros mais do aquilo que somos capazes de dar – o que, por vezes, é tão pouco!

O melhor mesmo será conseguir um saudável equilíbrio entre a crença e o amor ao próximo. Assim, uma mão ampara a outra e escusamos de chegar ao fim da vida sofrendo horrores porque todos os nossos amigos se despedem de nós, a família tem outras famílias e os nossos observadores vão rareando, obrigando-nos a um comportamento quase infantil porque precisamos de atenção como de  pão para boca.

Por outro lado devemos, também, e à sombra desta realidade, pensar nos mais jovens que crescem cada vez mais sozinhos e longe dos deuses, a maior parte deles. Esses são os que andam a dar-nos água pela barba com os seus comportamentos agressivos e desestabilizadores porque a atenção que têm em casa não chega; Deus, não sabem quem é; e na escola sentem-se, no meio de tanta gente, o homem invisível. O que até pode ser giro durante um dia ou dois, mas com a continuação deixa de ter graça.

Não há muito tempo recebi um mail que referia esta tendência que a humanidade tem tido para os extremos – ora Deus é tudo e mais alguma coisa, ora se mata e passa a ser a ciência a causa de todos os bens e de todos os males. Na verdade dificilmente escondemos esta tendência para a deificação de seres ou coisas, ou ambos. Mas ainda não conseguimos encontrar um equilíbrio digno de nota que nos permita viver felizes e em harmonia; que nos ensine desde o berço a liberdade e todas as suas restrições – coisas como o amor; a moral e a ética.

Decidimos abandonar Deus e riscámos, sem dó nem piedade, todos os ensinamentos veiculados através de um fanatismo religioso só porque pensámos que nenhum serviria, quando é falso, quando há tantos que tanta falta nos fazem. E agora, perante este caos, não param de surgir fanáticos, mais fanáticos ainda, e vivemos nesta roda do tudo ou nada porque cada vez que fazemos uma revolução não somos capazes de pôr de lado o orgulho e reconhecer o que de bom havia no que acabámos de derrubar.

Bom bom seria recordarmos sempre que o homem invisível só é feliz porque é estrela de cinema. Ou pensam que ele é único?! Se pensam, estão bem enganados. O que há mais para aí são homens invisíveis que nunca conseguiram, e nunca conseguirão, chegar a Hollywood.

1 comentário:

CF disse...

:) Somos acima de tudo seres sociais, e a nossa natureza não pode ser negada. Construimo-nos com os olhos dos outros, não há como contrapor. O problema, e para além do que focas, que também é importante, está na crise social. A mais grave de todas as que enfrentamos...