domingo, 21 de outubro de 2012

Qual famílias alargadas qual carapuça!


Entornar vinho é alegria. Pisar dejetos caninos, dinheiro. Atribuímos benfeitorias às coisas chatas e, muitas vezes, avançamos azares a coisas tão inocentes como passar debaixo de uma escada ou deixar que as facas se cruzem.

Nesta linha de raciocínio, digo eu porque posso, entendemos encontrar graças e convenientes vantagens naquilo que designámos “famílias alargadas”. Que giros que são os meus, os teus e os nossos e aqueles que não são bem irmãos mas irmãos de irmãos e primos de primos, famílias tão extensas e diversificadas e distantes que dificilmente caberão numa só casa em épocas de culto como, por exemplo, o Natal.

Graça mesmo só encontram aqueles a quem convém, de uma forma ou de outra, esse estado de coisas, porque nunca ouvi nenhuma criança ou adolescente regozijar-se com a separação dos pais e aceitar de ânimo leve madrasta e padrasto sem um mínimo de resistência ou uma dor bem escondida no centro do coração. Geralmente dão adultos resignados que não perdem uma oportunidade de recordar como as coisas eram “quando éramos uma família”.

Para essas pessoas não existem famílias alargadas. Existe perda e separação. Desmembramento e dor.

Por vezes, quando a coisa se dá muito cedo e cedo se forma uma outra família que cria e acolhe como se nada, ou quase nada, se tivesse passado, a coisa compõe-se. Ainda assim, mais ou menos, porque em nenhuma circunstância se apagam as perguntas sem resposta, os “porquês” e os “comos” – ninguém substitui um pai e uma mãe que se amam e criam, juntos e até ao fim, os filhos que geraram.

Posso não ter aprendido muito, mas isso eu aprendi. São dores que não passam nunca. Despiques que não cessam. Vontade de partir os filhos ao meio, esta metade é minha, esta é tua. Ciúmes que roem. Invejas que tentam a todo o custo respirar.

Não, não é verdade que o vinho entornado em dia de festa seja alegria. Na verdade é uma merda e um trabalhão – uma interrupção; um corte. E quanto ao pisar dejetos caninos, hão de me dizer quantos ou quantas enriqueceram depois disso. A não ser que o segredo esteja na conservação dos mesmos na sola do sapato. Só se for isso. Mas, a julgar pelas pedras que vamos deixando saltar cá para dentro ao longo da vida, eu diria que essa não é, seguramente, uma solução credível.

1 comentário:

Sputnick disse...

Amiga, se essa crença dos dejectos fosse verdade, acredita que, graças às minhas três cadelas, já estaria milionário :)))