quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Mentimos muitas vezes


Tementes a Deus mesmo que não creiamos nele, influenciadíssimos por uma moral judaico-cristã que nos castrou até à medula – mentimos muitas vezes. E mentimos tanto que acabamos por acreditar que é verdade o que dizemos em voz alta. 

Contudo, em surdina, no fundo mais escondido de nós e de vez em quando, soltam-se gritos terríveis, verdadeiras ameaças de verdades cansadas da escuridão. 

Depois vêm as culpas, os terrores, as crenças de que estamos sós nesses sentires impossíveis, quando bastava sermos sinceros para percebermos que somos todos, mais ou menos iguais.

A culpa e o medo


Sem darmos por isso tomamos conta de vidas que não nos pertencem, porque vida nenhuma pertence a alguém que não ao próprio que a carrega, pondo e dispondo delas tão naturalmente como se estivesse escrito em pedra nos termos da lógica mais pura, do sentido mais natural deste, por vezes tão longo, caminhar.

Sem darmos por isso tomamos como certo e adquirido tudo o que conseguimos agarrar e chegamos mesmo a acreditar que a isso temos direito. Somos até capazes, tantas vezes, de chorar e lamentar a pouca sorte de não termos conseguido exactamente tudo o que gostávamos que tivesse sido, incapazes de reconhecer o tanto que afinal conseguimos quando a pouco mais de nada temos direito, já que os direitos maiores, aqueles que se estendem para além dos básicos, são coisas que se conquistam, muitas vezes a pulso, com algum sangue, muito suor e outras tantas lágrimas.

E assim vamos pesando, em ombros que deveríamos ser capazes de aliviar. E assim vamos ganhando manhas perniciosas que nos alimentam uma certa surdez que é também uma forma de nos agarrarmos à vida.

E é indescritível a dor que sentimos quando por entre os dedos nos fogem essas posses, esses direitos não conquistados. É como se o mundo desabasse mesmo à nossa frente, diante de toda a nossa impotência Como se o coração nos fosse arrancado do peito e, surdos mais uma vez, acreditamos ouvir o que não foi dito, ver o que não existiu, sofrer o que não foi nunca infligido. É nesses momentos que o Id toma conta de nós e cegos para além de surdos corremos a castigar os que mais amamos. Todas as armas servem, desde que estejam ao nosso alcance. Mas a culpa e o medo são sempre as mais eficazes.

domingo, 23 de dezembro de 2012

O Natal, o Facebook e a solidão


Nada tem apenas vantagens ou inconvenientes e, por isso, o Facebook também não. Mas nem sempre umas ou outros são óbvios ou tomamos deles consciência assim de imediato.

Um dos inconvenientes, pelo menos para mim, é o alheamento em que me afundo sempre que por lá passo. Se me visse de fora diria que me transformo numa idiota estática, de olhar parado a ler por ler sem pensar, sem avaliar, tal e qual aqueles que, sentados em frente ao televisor, se deixam perder nas imagens dos vários canais que vão mudando sem darem por isso e sem pararem em nenhum como se o gozo estivesse nas sombras que passam e não no significado delas, quais personagens platónicas na alegoria do costume.

No entanto o alheamento não é tão absoluto como se poderá supor e os estados de espírito, os revelados e aqueles que acreditamos encobrir, vão entrando no nosso entendimento de tal forma que acabamos a saber como está este e aquele, gente que nem nunca vimos a não ser em fotografia mas que acreditamos conhecer já, e que cumprimentaríamos se as fotos traduzissem a realidade, o que raramente acontece.

Esse conhecimento, ou reconhecimento, dos estados de espírito alheios, é, sem qualquer sombra de dúvida, uma das grandes vantagens do Facebook.

Por muito que tentemos não existe ninguém que viva feliz os 365 dias do ano. Não existe nenhum adulto responsável que não se sinta, uma vez ou outra, deprimido, frustrado, descontente com a vida, arrependido de passos que deu e que não podem já ser desfeitos porque para trás ninguém anda e, diga-se em abono da verdade, o retorno só se deseja muito porque não se pode ter. Todos temos os nossos dias e a tristeza e a frustração são as nossas companheiras indesejáveis e é a constatação dessa realidade que nos pode ajudar a relativizar as nossas tristezas.

Por muito difícil que a vida seja, o pior mesmo é o isolamento, a sensação de solidão. Ora, para aqueles que estão de facto sozinhos, porque os há, e que vão ao Facebook, saibam que afinal não o estão porque, quando mais não seja, existe toda uma comunidade de gente que sofre, tal como cada um de nós, mas que o faz, ou julga fazer, em privado, sem se manifestar. As dores privadas agudizam-se quando se acredita que são únicas – não são. Há sempre uma dor igual ou maior a habitar mais do que uma alma. E se a sensação de pertença se foi com a partida dos que acreditávamos não partirem nunca, saiba-se que pertencemos todos à mesma espécie e, quando mais não seja por isso, não nos será possível existirmos sós.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Um Muito Feliz Natal

De repente vi-me inundada de postais cheios de criatividade, feitos à mão, por assim dizer, empenhadíssimos e personalizados e comecei a sentir-me ingrata e imprestável, eu, que estava convencida que iríamos descansar naquele maravilhoso limbo em que deixámos de nos sentar a uma mesa a escrever postais atrás de postais para depois os carregarmos até ao posto dos correios e lambermos selos até a língua não ser capaz de decifrar outro paladar que não fosse o da cola... eu, que acreditei que bastava um simples e-mail a desejar feliz natal e pronto, vá lá que se dissesse qualquer coisa acerca do ano novo...mas isto...isto é quase um regresso ao passado!

E, já agora, não era suposto o mundo acabar hoje?!

Aqui fica o meu contributo para os desejos de boas festas. Podem crer que me deu uma trabalheira do caraças e não ficou nada de especial. Mas são sinceros, os votos.


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Medo de morte, da morte


A incapacidade de ser feliz manifesta-se no não reconhecimento daquilo que é bom; na não aceitação do que é menos bom e na focalização em tudo o que é mau.

Por sua vez, todas estas características possuem um corpo físico que apesar de não residir apenas no rosto dado que existem tiques muito subtis que lhes pertencem, é nele que mais se manifestam e podem, consequentemente, ser identificadas.

Por exemplo, uma boca de cantos descaídos é sinal de grave descontentamento – chamo a atenção para o facto deste tipo de manifestação, quando usado e abusado, poder alterar as originais formas físicas transformando uma boca de lábios definidos numa outra em forma de andorinha e de lábios quase inexistentes. Olhos muito abertos e de olhar fixo são também sinal de pânico e existem muitas vezes como gritos de coitado de mim, por favor, por favor, alguém que cuide de mim, ai ai que morro, não aguento mais.

Brincadeiras à parte, manifestações como estas, e outras, fazem-me pensar em certas “verdades” que foram crescendo connosco e nas quais não só nos fomos habituando a acreditar como, com o tempo, deixámos de ter capacidade para as questionar sentindo que é quase, senão mesmo, blasfémia fazê-lo. Uma delas é, por exemplo, o facto de a vida ser uma dádiva que devemos agradecer a cada minuto que passa. Pois que o será para uns e nem tanto para outros, com certeza. No entanto, e curiosamente, apesar de não sermos uns verdadeiros especialistas vivenciais, e até por pouco que apreciemos o facto de termos nascido e estarmos vivos, continuamos com um medo de morte, da morte. Somos, efetivamente, criaturas muitíssimo curiosas!

Dos hospitais públicos e de quem por lá trabalha

Recorrer a um hospital público neste país pode transformar-se numa experiência deslumbrante. 

Em primeiro lugar convém que tenha sido atropelado por um camião, que lhe tenha dado um AVC daqueles que o arrumam logo à primeira ou que o coração claramente lhe falhe, enfim – convém que algo de imediatamente grave lhe tenha acontecido, a não ser, é claro, que seja uma daquelas pessoas a quem um dia passado entre gente atacada por germes de todos os tipos provoque um prazer mórbido ou alguém que acredita que a vida é uma aventura ao jeito do Hollywood e embora lá correr riscos. Nestes casos, recomendo vivamente que se inscreva nas urgências de um hospital público, de preferência o Garcia de Orta, onde poderá passar cerca de 12 maravilhosas horas entre cenários mais ou menos grotescos. 

“O pior hospital do país”! As palavras não são minhas, são de um dos diretores de um dos serviços que conhece outros hospitais e afirma que nenhum iguala a má gestão do Garcia de Orta. 

O pessoal que por lá presta serviço, pelo contrário, e aqui sim, sou eu que o digo, é contudo profissionalíssimo, afável, organizado, estupidamente trabalhador e muitíssimo competente. E foi por isso, e só por isso, que após cerca de 12 horas enfiadas entre as suas inúmeras paredes, de lá saímos com uma resposta precisa para a febre que assola a minha mãe de 80 anos desde a passada 4ª feira e que chegou a ser diagnosticada por uma incompetente do posto médico da Charneca de Caparica, como uma gastroenterite quando, afinal, tem vindo a desenvolver, e a agravar, uma infeção no pulmão direito. 

Sim, eu sei, esta não é a típica situação para se recorrer a um hospital e são casos como este que entopem as urgências. Mas quando o serviço público de saúde tem, em certas localidades, quase nada para oferecer, o que resta a quem não pode recorrer ao privado, senão o hospital onde, apesar de se sujeitar a uma exposição prolongadíssima a todos os “bichos” que por lá habitam, encontra gente disposta a tudo fazer para encontrar o mal que a assola?

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Um passeio pela Disneyland de Paris


A Disneyland de Paris faz 20 anos. Mas mesmo que não fizesse, visitá-la nesta altura do ano é das experiências mais bonitas que se pode ter. Seja-se adulto ou criança. Não vale a pena levar bebés que não possam recordar o que viram a não ser, é claro, que haja a possibilidade de os voltar a levar mais tarde. A Disneyland, mais a de Paris do que a de Orlando, na minha opinião, é o lugar mais feliz da Terra, tal como diz o cartaz à entrada. Passear por lá é tomar um banho de beleza e de alegria e todas as crianças do mundo deveriam ter essa possibilidade porque a beleza entranha-se, e ao entranhar-se lá fica, esperando pela oportunidade de ver a luz do dia. Uma criança que transporte essa semente tem mais hipóteses de vir a ser um daqueles adultos que o mundo precisa – alguém que não descansa enquanto não encher de beleza tudo o que o rodeia.


Estavam muito enganados os realistas. Muito enganados. É na fantasia que reside o segredo da felicidade. É ela que nos pode transportar para a beleza que o mundo tem. E, uma vez transportados, será muito mais fácil a sua transformação. Creio que uma das coisas que os realistas nunca entenderam muito bem foi a possibilidade de a realidade não ser senão uma criação nossa.


Não deixem de levar os vossos filhos a Paris, nem que seja uma vez na vida e, a todas as escolas e associações, pensem nessa possibilidade. Pensem nela porque, ao fazê-lo, podem ajudar, quem sabe, a mudar o mundo.


sábado, 8 de dezembro de 2012

Da nossa humanidade


Há momentos em que reina o desprezo por esta espécie a que pertenço. Momentos em que acredito que o universo teria a ganhar se desaparecêssemos da face da Terra. Momentos em que não acredito na emergência da nossa humanidade.

Mas depois há os outros. Aqueles em que a tal humanidade impera e se espelha nos gestos e nos rostos. Momentos em que é impossível não a ver, não a sentir. Momentos de crença profunda nesta espécie a que pertenço e, nesses momentos e não nos outros, enchem-se-me os olhos de água e comove-se-me o coração como nunca.

Hoje, sentada num lar de terceira idade a ouvir tocar e cantar, foi um desses momentos.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Memórias

O anúncio de uma morte inesperada trouxe-me memórias tão fundas que eu nem sabia existirem. Momentos que ficam guardados sem darmos por isso e, talvez por terem sido pouco ou nada visitados, mantêm fortes as cores, as vozes, as expressões e, por vezes, até os cheiros.
 
 
São dolorosas as memórias. Mesmo aquelas que acreditamos serem boas, aquelas feitas dos melhores momentos, são dolorosas porque não passam disso mesmo – de memórias. E recordar não é viver, a não ser que se viva em sonhos.
 
 
É curiosa, muito curiosa mesmo, a forma como a vida apaga as dores e mantém as alegrias. Fá-lo de uma forma tão convincente que transforma em dor o simples passar por ela, o simples passar do tempo. Como se tudo tivesse sido bom. Se tudo tivesse feito sentido. E se tudo tivesse sido melhor, mesmo que pior, daquilo que agora é.
 
 
Quem não sente saudades de nada, não é porque não tenha vivido muito, é só porque ainda não se deu ao trabalho de viajar no tempo e recordar a substância de que é feita a sua vida.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Feliz Natal

A minha filha apresentou este vídeo no Facebook com o comentário de que é a melhor maneira de desejar um Feliz Natal a todos, e eu concordei. Aqui vai. Um muito Feliz Natal para todos. Que haja alegria.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sinais dos tempos




A minha cadela quando acaba de defecar vira-se de frente para os dejectos e cava orgulhosa e energicamente no sentido contrário. Significa isto que os instintos estão lá todos, ainda que mal direccionados...


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O Natal

Chegou agora mesmo



À espera

Neste país há demasiadas pessoas paradas, à espera. À espera que as coisas melhorem. À espera que a crise passe. À espera que nada de pior aconteça.
 
À espera que o dinheiro chegue para as despesas; que o subsídio seja aprovado; que pelo menos uma resposta haja, de tantos cv que se enviaram pela net.
 
À espera.
 
De vez em quando vem-nos uma ideia para fazermos coisas. Mas quando começamos a pensar na trabalheira que daria, desistimos e deixamo-nos ficar no ram-ram das nossas vidinhas. Tristes. Desanimados. Desmotivados. Sem realmente sabermos que à pala da crise há cada vez mais coisas para serem feitas. Mais pessoas para serem ajudadas. E que cada minuto a mais que ficamos sentados a pensar e a sonhar, é mais um minuto que perdemos e que podíamos ter ganho a ajudar quem precisa.
 
Experimentem passear à noite pela Av. da Liberdade. Olhem as arcadas. Espreitem lá para dentro. Talvez, quem sabe, lhes surjam algumas ideias exequíveis, que os libertem dessa frustração em que deixaram que a vossa vida se tornasse.