terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Perdoar


Nos momentos em que a reflexão é essencial, tudo me distrai – a música; as palavras; as imagens; o amor… É precisamente quando mais preciso de paz que o burburinho teimoso e persistente do coração não me abandona. Exactamente quando precisava que ele parasse, o danado.

Eu, pelo contrário, queria ser capaz de abandonar tudo e todos sem lamentos. Bem, abandonar talvez não seja o termo ideal, talvez seja demasiado radical. Prescindir; deixar ir; libertar e libertar-me são termos mais correctos que traduzem de forma muito mais realista aquilo que eu deveria ser capaz de fazer e não sou, nem mesmo nos momentos mais dramáticos em que o impulso é a pena de mim mesma, uma espécie de desejo de vingança – vocês vão ver o que é viver sem mim. Esses são momentos relâmpago em que a ideia de suicídio me passa às pressas pela cabeça e recua, quase instantaneamente, com a lembrança da falta que ainda posso vir a fazer a netos por nascer, a filhos que me amam e a outros, porque afinal até há quem goste de mim.

Que difícil é crescer! Crescer a sério. Não é amarfanhar tudo bem amarfanhadinho e atirá-lo sabe-se lá para onde, provavelmente para o vale que se crê dos esquecidos convencendo-nos que já crescemos só porque deixámos de pensar nas coisas. Crescer. Sem tiques e sem máscaras. Crescer, com tudo resolvido. Que difícil que é!

Evidentemente que é mais difícil para quem fica do que para quem parte. Quem parte dir-se-ia que tem uma nova oportunidade. Um recomeço novinho em folha, ali mesmo ao seu dispor, para fazer da vida o que quiser. Por isso é que eu gostava de ser capaz de partir. Mas não sou. Quedei-me por aqui, agarrada ao que já tinha, esticando o que fui para o transformar no que fui sendo. Não soube fazer reset. Olhava à minha volta e tudo estava como sempre, menos eu. E, sem saber o que fazer daquele mim, fui-me deixando ficar, assim.

E o tempo não passa.

Passa para toda a gente menos para mim, porque o tempo só existe no movimento. Quando se pára, tudo pára, até ele – o tempo -, e eu com ele.

Um dia será dia de seguir viagem. De dizer adeus ao que foi, de deixar ir o passado mas ai, nada me convence a largar tudo assim, sem mais nem menos. A carga é demasiado rica para ser abandonada no meio da estrada. Não, nem pensar. Vai comigo. Faz parte de mim e eu dela e é ela que me vai ajudar à construção – aquela a que tenho dedicado toda a vida – a minha. E se o tempo não passou ou eu não dei por ele passar, melhor ainda, mais tempo me resta pela frente, para o perdão.

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