sexta-feira, 14 de junho de 2013

Nós, os loucos

No decorrer dos momentos em que me deixo levar por Proust e pela sua (…)Busca do Tempo Perdido, momentos que, não posso deixar de o dizer, me dão o prazer dos estados de graça, e a propósito da alienação das novas tecnologias e da afirmação comummente atribuída a Einstein de que uma geração que se deixe envolver por elas transformar-se-á numa geração de imbecis, retive uma passagem que descreve a forma de estar de uma certa aristocracia numa colónia balnear em Balbec, na Normandia, aqui.
 
Diz Proust:
 
“Durante aquelas longas tardes, o mar estava à frente deles apenas como uma tela de cor agradável pendurada no boudoir de um rico solteirão, e só no intervalo das jogadas é que um dos jogadores, sem nada melhor para fazer, erguia os olhos para ele para de lá retirar uma indicação acerca do bom tempo ou das horas e recordar aos outros que a merenda estava à espera.”
 
Com tecnologia, ou sem ela, já passaram decerto por este planeta várias gerações de imbecis e, por muito que admire, e admiro, Einstein, e sem garantias nenhumas de que a afirmação lhe pertence, direi que não são as tecnologias, os jogos ou as vulgaridades de certas gentes que se entretêm a observar os outros num misto de inveja e desejo para através deles encontrarem motivo de conversa, que fazem a diferença. Mas antes a forma como cada uma destas coisas é utilizada e por quem.
 
Tudo indica que as belezas dos mares, dos rios ou das montanhas – alguma vez sentiram Deus no cimo de uma montanha? Ou mesmo no seu sopé? Já suspiraram só de olhar o leito de um rio? Já deixaram que o frio da água oceânica tomasse conta do vosso corpo? – nunca foram vistas e muito menos sentidas por todos. Como nos mostrou Pessoa, são privilégios de alguns, muitas vezes dos tidos por loucos.

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