terça-feira, 20 de maio de 2014

O mito grego e a realidade tuga





É difícil trabalhar neste país. E como é difícil viver sem trabalhar – ou pelo menos sem ganhar dinheiro -, é difícil viver neste país. O que é triste, porque é um lindo país, mesmo sendo um lugar onde ninguém reconhece o valor de ninguém.

Creio que não estou sozinha quando digo que me sinto como Sísifo quase todos os dias.

Sísifo, para quem não sabe, é um personagem da mitologia grega que está condenado a repetir sempre a mesma tarefa – empurrar uma pedra gigante montanha acima -, o facto é que cada vez que está prestes a chegar ao topo, uma qualquer força irresistível leva a pedra de volta ao ponto de partida anulando completamente todo o esforço despendido pelo desgraçado.

Não é só o dinheiro, mas é também o dinheiro. É o dinheiro, o reconhecimento, o respeito e a gratidão que vem com ele. Trabalhei dois anos na Holanda e apesar de trabalhar mais horas do que as que aqui trabalho, nunca me senti tão cansada como me sinto aqui. Não é o esforço exigido pelo trabalho, é a frustração que vem com a dúvida de competência:

Será que presto para alguma coisa? Em que é que as competências que acredito ter se assemelham àquelas que os outros vêem em mim?


Este país é ingrato. Nós somos ingratos, pedantes, pretensiosos. Olhamo-nos uns aos outros por cima do ombro. Somos um país de gente frustrada e não compreendemos, ainda, que somos simultaneamente vítimas e carrascos.

Voltando ao mito de Sísifo faz sentido referenciar Camus e a sua filosofia de absurdo na qual este mito é evocado – Será que a realização do absurdo exige o suicídio, pergunta Camus e responde, quase de imediato, “Não, exige revolta”.

E o absurdo é, por exemplo, sermos tratados abaixo de cão no nosso próprio país e como profissionais competentes nos países dos outros. O absurdo é sermos pagos abaixo do que é digno no nosso próprio país e com a dignidade que merecemos nos países dos outros. Isto sim, é absurdo.



1 comentário:

Majo disse...

~
~ Se os absurdos fossem só esses Antígona...

~ Estamos num país em que proliferam e, talvez não falte muito, para atingimos o nível de absurdidade semelhante ao que viveu Albert Camus.

~ Para o filósofo, era imperativo a revolta.
~ Nós estamos completamente incapacitados de a fazer, pois avisam-nos com zelo, que qualquer situação de instabilidade, fará subir os juros de uma dívida que estamos a pagar, mas que não é nossa.

~ Estamos amordaçados. Desabafamos com os nossos amigos "blogosféricos"...

~ Faríamos uma boa lista de absurdos da presente realidade lusitana!

~ ~ ~ Abraço. ~ ~ ~