segunda-feira, 6 de julho de 2015

Memórias de Gabriela


Passei hoje pela tua antiga casa tiazinha. Aquela onde viveste durante mais de cinquenta anos a despeito da vontade do senhorio. Aquela onde lutaste contra o tempo. Aquela onde acabaste por vencer tantas adversidades mal sabendo que a maior estava para vir.

Passei hoje pela tua antiga casa tiazinha. Mudaram-lhe a porta e as janelas. Agora são brancas, daquele material novo e frigorificamente branco que em nada condiz com a rusticidade da casa.

O pequeno limoeiro que se deixava cair pelo peso dos limões já não existe. Aquele pequeno jardim cuja cancela nos separava da estrada cada vez mais barulhenta, já lá não está. Agora quem passa no passeio roça essa outra porta de um branco despropositado, violando a intimidade de quem a habitou.

Vieram-me à memória os degraus de madeira, a porta de postigo, o quintal das traseiras. O cheiro do soalho, lustroso de tantos cuidados. Os móveis nórdicos da Helina. A carpete do corredor. Aquela casa de banho onde facilmente nos perdíamos. A banheira de pés altos. O lava loiça de mármore, o fogão em cima da chaminé.


E pensei que gostava de voltar a entrar nessa casa. Não nesta, de porta e janelas despropositadamente brancas, mas nessa outra onde também eu fui crescendo. Pensei que talvez o proprietário estivesse à espera da tua morte para que esse despropositado branco não te ofendesse. E pensei que talvez a Helina quisesse lá entrar, comigo, só para bisbilhotar, para ver até que ponto as coisas mudam. E foi então que me lembrei que ela partiu ainda antes de ti tiazinha e que foi essa a tua maior provação, aquela que nunca conseguiste ultrapassar.


4 comentários:

Às margens de mim. disse...

Vi. Li. Gostei... te sigo... me segues tmb

Majo disse...

~~~
~~ Memórias para sempre...

~~~ Grande abraço, AC. ~~~
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Maria disse...

A tia Gabriela está à janela? E contigo?

Alda Couto disse...

Não Isabel :) A Tia Gabriela está com a avó em baixo. À janela está a minha mãe com o meu irmão :)